segunda-feira, 16 de março de 2009

Lenda de Santo Aginha

Perdida entre arvoredos da Serra de Arga, a pouca distância de Caminha, está a pequena aldeia de Arga de São João. Ai existe uma minúscula capela de branquíssima frontaria, dedicada a Santo Aginha, e mandada edificar em memória do milagre que vou contar.

Diz a tradição do lugar que Aginha era um perigoso salteador de estradas e casais. A região vivia em pânico porque não havia dia que o homem desse sossego às pessoas. Ai de quem passeasse sozinho pelos carreiros e descaminhos da serra! quando menos esperasse, via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão de abas largas descaídas sobre os olhos, o malfadado Aginha. E se não levasse fazenda ou moeda consigo, passava um mau bocado, porque o assaltante só desistia da presa despois de a esbulhar, nem que fosse da roupa que trazia. Se, por outro lado, arriscasse um gesto de autodefesa. poderia ficar bem maltratado, pois o salteador, ainda que por vezes mais fraco do que a vítima, era homem habituado a rudezas e de uma agilidade de gato bravo.

Dizem que, um dia, Aginha caiu sobre um padre que vinha dar a extrema -unção a uma velhota que vivia num pequeno casal escondido nas brenhas. E, não se sabe como, o padre teve modos de o converter ao bom caminho e persuadir a abandonar a vida de bandido. Como penitência, o padre mandou que permanecesse no monte, nos mesmos locais onde antes atacava os viajantes, mas agora auxiliando quem passasse do modo que pudesse. Aginha obedeceu e por ali ficou, esperando que cada gesto que fizesse, apagasse os actos do passado.

Certo dia, descia a serra uma carroça puxada por dois bois muito pachorrentos, carregada de lenha e com um carreiro sentado no varal. Aginha estava encostado a um carvalho, mastigando uma azeda, quando viu a carroça virar-se repentinamente: uma roda passou sobre uma pedra maior, desequelibrou-se e tombou para o lado.

O carreiro, aflito pelo desastre e por saber que estava em terras de Aginha, olhou em volta procurando auxílio. Subitamente, os seus olhos deram com Aginha, que se levantara para o ajudar. O homem fez-se branco de pavor. E ignorando a conversão do salteador, crendo que ele se aproximava para o maltratar, pegou na machada da lenha e deu-lhe uma pancada tão cheia de pânico que o matou.

Com o coração angustiado, desatou a correr serra abaixo até chegar à aldeia. dirigiu-se às autoridades para lhes contar o que tinha acontecido, pensava que o esperava uma moeda de ouro, por recompensa. As autoridades tomaram conta do ocorrido e disseram-lhe que mais tarde se certificariam do sucedido.

Assim, o homem voltou, com o coração mais leve, ao local do crime para finalmente socorrer os bois e trazer o carrego de lenha para a aldeia. Sentia, contundo, no fundo das tripas um certo horror pelo que fizera e por isso tratou de tudo como um burro empalado, olhando em frente, evitando encarar o corpo que estendera no chão.

Quando dias mais tarde as autoridades se dignaram a subir a serra para verificar a morte do assaltante, encontraram o corpo de Aginha intacto e, segundo dizem, exalando um suave cheiro de flores silvestres numa madrugada de Maio.

Esta é a história de um assaltante que foi tão santo e fez tais milagres que o povo agradecido passou a venerá-lo na capela de Arga de São João."


in, Lendas Portuguesas (adaptado)

1 comentário:

  1. Este teu "espaço" é muito bom, literariamente falando e não só. Parabéns, Ana! Beijinhos

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